sábado, 30 de abril de 2011

As expropriações e o socialismo


   Uma das ações que faz com que grande parte dos trabalhadores e da população pobre veja com simpatia o Governo Chávez é precisamente o fato de ele ter se atrevido a expropriar alguns grupos econômicos poderosos, enquanto ameaça outros de tomar a mesma medida.
   Esta simpatia é compartilhada por grande parte da esquerda venezuelana e mundial, já que as ações do governo são comparadas com as medidas revolucionárias adotadas no início da revolução cubana por Fidel Castro e o movimento “26 de julho” contra as multinacionais estrangeiras, e com as expropriações realizadas pelos comunistas soviéticos, chineses, alemães, poloneses, vietnamitas etc. durante a construção do erroneamente chamado “socialismo real”, hoje inexistente.
   Para entender a importância do tema, é necessário passearmos brevemente pela teoria marxista, propulsora do socialismo científico, ou seja, do socialismo lógica e racionalmente realizável.
   Segundo esta teoria, derivada do estudo do desenvolvimento da humanidade, suas leis inerentes e sua evolução provável, o socialismo seria o início da transição para o comunismo ou sociedade sem classes sociais, sem exploração e sem Estado como aparato de dominação da classe que possui o poder político.
  Para que esta sociedade pudesse existir, deveria ser abolida a propriedade privada dos meios de produção, de distribuição e de comércio de bens e serviços, já que é dessa propriedade privada que deriva a exploração e a distribuição desigual da riqueza social.
   É por isso que os marxistas ou socialistas científicos consideravam esta primeira etapa de transição, em que a classe operária possui o poder político e o mantém usando o Estado contra as classes exploradoras, como uma etapa de criação das condições materiais, sociais e culturais para a desaparição de todo vestígio de opressão e exploração do homem pelo homem.
  É neste contexto em que se levantava, no programa socialista, a expropriação dos grandes meios de produção, de distribuição e de troca, que passariam para as mãos do Estado Operário em uma etapa de transição, ao final da qual o Estado desapareceria e os meios de produção seriam apropriados pela sociedade, em um estado de consciência, cultura, técnica, organização e riqueza econômica que permitiria a administração dos recursos sem a necessidade de recorrer à violência organizada do Estado.
   No entanto, as expropriações não foram ações exclusivas do governo socialista ou do Estado Operário em transição para o comunismo. O Estado Burguês ou Capitalista também recorreu às expropriações quando o interesse do capitalismo como um todo prevaleceu sobre o interesse do empresário capitalista expropriado.
   É por isso que quase todos os Estados Capitalistas têm em sua legislação a faculdade do Estado de expropriar bens materiais em função do “interesse coletivo”. A Venezuela não é exceção, tendo essa possibilidade desde a época da IV República (portanto, antes do governo Chávez).
   Portanto, a diferença entre um governo revolucionário, socialista, e outro burguês, capitalista, não está em que um exproprie e o outro não, mas, sim, em que contexto se dá esta expropriação, ou seja, a serviço de que classe social, de que política.
   Um governo capitalista expropria um imóvel - propriedade privada - para construir, por exemplo, uma ferrovia que facilitará para todos os capitalistas o transporte de mercadorias, insumos e matérias-primas de um lugar a outro, facilitando a realização do capital. Um governo deste tipo não ataca a propriedade privada dos meios de produção, mas a reafirma. Na expropriação, reconhece o valor de mercado da propriedade privada, aceitando, assim, as oscilações especulativas dos preços de venda e a apropriação pelo capitalista da riqueza gerada por seus empregados. Por isso, um governo capitalista se preocupa muito em indenizar o expropriado, em reconhecer sua propriedade privada, obtida mediante a exploração direta ou indireta.
   Um governo socialista, ao contrário, expropria como parte de um plano geral estratégico, em que se declara abolida a propriedade privada dos grandes meios de produção, distribuição e comércio. Mas, como conhece a origem da riqueza do capitalista, não o indeniza, não lhe paga nada, pois o empresário se tornou rico explorando os trabalhadores. Além disso, como está a serviço da classe trabalhadora, coloca as empresas expropriadas sob controle de seus trabalhadores, organizados democraticamente e articulando estas empresas em um plano econômico nacional que busque desenvolver as forças produtivas, requisito indispensável para a transição para uma sociedade socialista.
   Por último, um governo socialista colocaria as empresas expropriadas a serviço da construção do socialismo nacional e internacionalmente, já que o capitalismo deve ser derrotado na arena mundial para que o socialismo possa triunfar definitivamente em nível nacional.
   O Governo de Chávez recorreu às expropriações para solucionar situações em que o aparelho produtivo foi paralisado ou semiparalisado, seja por abandono do dono, por sabotagem ou por conveniência do Governo ou da nação. Essas expropriações foram indenizadas pelo valor de mercado ou acima deste. Mas não foram realizadas como parte de um plano econômico nacional, e, sim, conforme a necessidade conjuntural.
   Soma-se a isso o fato de que as expropriações não serviram para fortalecer os trabalhadores no interior da indústria. Ao contrário, serviram para diminuir suas conquistas e cercear seus direitos sindicais. O controle operário democrático foi combatido ferozmente em cada uma dessas ocasiões.
   Esses problemas nos alertam sobre o verdadeiro caráter burguês do Governo Chávez que, no interesse do capital nacional, está se chocando com um setor capitalista que tem fortes laços com o imperialismo ianque e que, pelas convulsões sociais que ocorreram no país, não tem outro remédio além de realizar essas reformas em nome do socialismo. Como disse Chávez: “fazer a revolução pacífica para fechar o caminho da revolução violenta” (que pode ser interpretado como: realizar algumas reformas para que os trabalhadores não façam a verdadeira revolução que retire o poder da burguesia)
   Mas, ainda que conheçamos o verdadeiro motivo das expropriações, é um erro combatê-las, como manifestaram os companheiros da Unidade Socialista de Esquerda (USI) em suas publicações e atividades convocadas (como a marcha de 5 de fevereiro de 2011, que em suas consignas expressava estar contra as expropriações).
   Os companheiros afirmam estar contra as expropriações porque os trabalhadores das empresas expropriadas não foram consultados e porque deterioram as conquistas destes trabalhadores. Esse foi o argumento para conformar uma aliança com um setor sindical contra a expropriação da Cargill, da Agroisleña e da Polar.
   É verdade que os trabalhadores não foram consultados sobre essas expropriações, mas também não foram consultados sobre a propriedade privada dessas empresas, sua fundação, sua condução ou o destino da riqueza gerada por eles. Visto dessa forma, o argumento da expropriação não consultada se torna um argumento patronal, burguês, defensor da propriedade privada e da exploração.
   Toda expropriação é progressiva em relação à propriedade privada dos meios de produção, porque encurta o caminho da planificação econômica quando a classe operária tomar o poder. É diferente tomar o poder e assumir o controle das empresas já estatizadas do que ter que se enfrentar com os capitalistas de cada empresa, para expropriá-las e colocá-las para produzir sob controle do Estado Operário.
   Por que, então, os companheiros da USI estão contra as expropriações, do lado dos capitalistas expropriados ou ameaçados? O possível argumento de que a expropriação fortalece o regime autoritário de quem detém o poder e a não expropriação o debilita mascara o papel do burguês e anula ou coloca em um papel secundário a ação revolucionária das massas operárias, das empresas privadas ou estatais, com suas greves insurrecionais como método clássico revolucionário.
   A deterioração das conquistas trabalhistas não é um problema derivado da expropriação, mas, sim, do caráter burguês do governo e do Estado, e também da situação geral da economia. Devemos partir do fato de que um setor minoritário, uma aristocracia operária, goza de boas conquistas derivadas da posição privilegiada que possui o burguês, dono da empresa, dentro da cadeia produtiva e de comercialização.
  As indústrias Polar possuem um vasto empreendimento industrial que abarca alimentos e bebidas, mas o principal negócio é sustentando com o vício alcoólico do consumo massivo de cerveja, que cobre o prejuízo de qualquer outro produto.
   Cargill e Agroisleña possuíam um alto componente estrangeiro, que permitia equilibrar conjunturalmente suas contas injetando recursos onde convinha para a empresa manter a paz nas relações trabalhistas. Todas são empresas do setor de agroalimentos, estratégico e que tinham uma importante margem de lucros.
   Portanto, as melhores conquistas dos trabalhadores deste setor não são indicativos de que os empresários dessas empresas são mais generosos que o Governo (como poderíamos presumir da lógica da USI), mas, sim, da privilegiada relação custo-benefício que estes burgueses têm na economia nacional. Novamente os companheiros assumem posições a favor dos patrões, atribuindo ao empresário bondades que não possuem.
   Portanto, o melhor é exigir a radicalização das medidas de expropriação, sem indenização, de acordo com um plano estratégico, discutido e submetido ao controle dos trabalhadores, em que se vincule a expropriação dos bancos, a estatização da terra, o monopólio do comércio exterior, o desenvolvimento da indústria estatal e de organismos operários democraticamente auto-organizados para controlar o Governo e a economia.
 
Tradução: Thaís Rossi

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