© Pedro Hamdan
Besouros, pseudoescorpiões, cupins, bactérias, formigas, fungos, aranhas, ácaros, caramujos, larvas e raízes de plantas fazem parte de um mundo invisível. Pelo menos para quem anda pela floresta amazônica atordoado pelo tamanho das árvores, pelo ruído das aves, pelo calor úmido e pelas picadas de insetos. É justamente essa diversidade oculta que uma equipe de pesquisadores que reúne 15 instituições de vários estados brasileiros vem catalogando desde 2002 no alto Solimões, uma região da Amazônia próxima à fronteira com a Colômbia e o Peru. Coordenado pela microbióloga Fatima Moreira, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, o projeto Bios Brasil contou, por exemplo, 239 espécies de formigas, 75 de cupins e 53 de besouros nas amostras de solo analisadas. “Ninguém pensa nos organismos pequenos ou invisíveis, mas o solo é uma fonte imensa de recursos”, argumenta a pesquisadora.
O projeto nasceu de uma iniciativa do Programa de Biologia e Fertilidade do Solo Tropical que, com apoio do programa ambiental da Organização das Nações Unidas, em 1995 reuniu representantes de vários países que ainda têm florestas e diversidade biológica importantes a serem protegidas. A ideia amadureceu aos poucos, e passados alguns anos sete países – Brasil, México, Uganda, Quênia, Costa do Marfim, Indonésia e Índia – começaram o trabalho com métodos padronizados.
A vertente brasileira envolveu 40 pesquisadores e mais de 100 estudantes, que escavaram 100 pontos de amostragem junto das comunidades estudadas. Somando todos esses pontos, a amostragem chega a 54 hectares, algo como 54 campos de futebol transformados em buraco. Nas escavações era preciso sempre estarem presentes pelo menos um professor e um aluno para cada uma das 15 especialidades de estudo, trabalhando à sua maneira. Os especialistas em solo analisavam as propriedades e recolhiam amostras para depois fazer análises químicas e físicas; os entendidos em organismos microscópicos, como as bactérias, fungos e nematoides, também coletavam amostras para depois examinar ao microscópio e extrair material genético revelador da diversidade invisível a olho nu. Já os estudiosos de minhocas e insetos, por exemplo, esquadrinhavam a terra revirada em busca de seus organismos prediletos. Outra equipe identificou todas as espécies de plantas encontradas nas áreas estudadas.
Trabalhando juntos, os pesquisadores têm segurança em relacionar a diversidade de um tipo de organismo com outro e buscar a correspondência dessa diversidade com o tipo de solo e de uso: floresta, capoeira, roça, sítio e pastagem. Precisaram vencer não só as dificuldades intrínsecas ao trabalho, mas também conquistar a confiança dos moradores. “No começo eles achavam que estávamos procurando ouro”, se diverte Fatima, “mas depois nos aceitaram e se interessaram pelo estudo”.
Os brasileiros escolheram o alto Solimões, na Amazônia, por ser uma zona ainda de difícil acesso e por isso preservada. Ali só se chega pelo rio, depois de meia hora de barco desde Tabatinga, na fronteira com a Colômbia, até o município de Benjamin Constant, onde estão as comunidades indígenas de Nova Aliança e Guanabara II. A zona é isolada, o que não quer dizer que ali só vivam alguns índios caçando com arco e flecha em meio à mata virgem. São comunidades com cerca de 50 famílias que praticam a queima e o corte da floresta para plantar alimento.
Corte permitido – O achado mais importante do estudo, até agora, diz respeito às consequências do método usado por lá, de desmatar áreas pequenas e, depois de um tempo de plantio, deixar regenerar a floresta. “Existe uma noção de que a derrubada e a queima sejam procedimentos maléficos”, explica Fatima. Mas sua equipe descobriu que, associados à conservação de grandes áreas de floresta, pequenos trechos desmatados se regeneram bem como capoeiras, uma forma de floresta imatura. E que o solo das capoeiras logo readquire características e riqueza biológica semelhantes às das florestas. “As comunidades ali fazem isso há centenas de anos, e funciona”, conta. E contrasta: “Desmatar grandes áreas, como se faz no Acre, em Rondônia e no Pará, é maléfico mesmo”.
Esse foi o tema do doutorado de Ederson Jesus, orientado por Fatima, que recebeu menção honrosa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes. Ele mostrou que mudanças no uso do solo alteram a estrutura das comunidades bacterianas, mas quando a capoeira cresce essas comunidades voltam a ser semelhantes às que se veem em florestas primárias. Segundo artigo de 2009 no ISME Journal, essas alterações nas comunidades bacterianas estão ligadas às propriedades químicas do solo, sobretudo a acidez e a concentração de nutrientes. Concluir que as técnicas de plantio usadas nessas comunidades não bastam para perder a diversidade de bactérias é essencial, porque esses organismos microscópicos são indissociáveis das propriedades do solo e ajudam a manter um fluxo de nutrientes adequado.
Saiba mais em:
http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4364&bd=1&pg=2&lg= (2ª parte do artigo)
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