Dennis Ometto, da Ação Eco-socialista
Até há poucos anos, nenhum deputado, senador ou presidente da república se preocupou em aperfeiçoar essa que é uma das mais antigas e importantes leis ambientais do país. Isso porque a proteção da natureza inserida entre os artigos do Código Florestal ainda não estava incomodando o sistema capitalista, em especial os latifundiários e as empresas agropecuárias.
O problema é que nenhuma atividade econômica dentro do capitalismo se destina a suprir necessidades humanas. Toda a produção tem como objetivo gerar lucro para aqueles que são proprietários das indústrias, dos bancos e das terras. Assim, a produção não pode ficar parada, tendo que se expandir continuamente. Se parar, morre.
Essa expansão do capitalismo, cedo ou tarde, esbarraria nas leis de proteção ambiental, que limitam bastante a exploração econômica em determinadas áreas fundamentais para o equilíbrio ecológico. Em outras palavras, em locais que contém recursos naturais de que necessitamos para viver com dignidade.
Assim, não é verdadeira a principal desculpa utilizada pelo relator do projeto do novo código, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), de que essas mudanças seriam necessárias para beneficiar os “pequenos agricultores”. A agricultura familiar, a propósito, a responsável por mais de 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros, vem convivendo muito bem com as leis ambientais, pelo menos desde 1965, quando foi editado o atual Código Florestal.
Quem não se dá bem com isso são os grandes capitalistas do campo, aqueles cujos interesses o deputado quer proteger. Não tem mais espaço para desmatar, abrir pastagens, plantar soja (inclusive transgênica!), eucalipto, vender madeira e especular com a terra.
Daí porque eles querem avançar sobre essas áreas protegidas e daí a necessidade de mudar a lei que impede esse avanço.
E, do ponto de vista ambiental, as mudanças propostas são desastrosas.
Áreas de Preservação Permanente
O código atual relaciona alguns locais que devem ser protegidos de uma forma tão eficaz que não se admite nenhuma atividade neles, econômica ou não. Eles estão em toda a parte, em zonas rurais e urbanas, tendo como função garantir a existência de recursos naturais essenciais. Por exemplo, as margens de rios, entornos de nascentes, encostas e topos de morro.
A vegetação das beiradas de rios, ou “ciliar”, só para citar um caso, serve para evitar o assoreamento, a erosão e a poluição, além de regular até a temperatura da água, preservando o ecossistema aquático.
Assoreamento é o depósito de material sólido no leito dos corpos d’água. Como consequência, vindo as grandes chuvas, eles extravasam, causando as famosas cheias, de tristes memórias. Sem contar as tragédias causadas pela erosão, levando a repentinos deslocamentos de grandes massas de terra e rocha, que desabam morro abaixo.
Portanto, não foi à toa que essas áreas receberam a designação de “preservação permanente”. Porém, o deputado e seus amigos querem reduzir em 50% essas áreas de beira de rio e nascentes, deixando para os estados definirem se as encostas e topos de morro devem ser protegidos. Ou seja, se houver interesse econômico envolvido, certamente vão considerar o contrário. As regiões serranas do sul e sudeste, por exemplo, poderão ser ocupadas pelos grandes hotéis e condomínios de luxo.
Reserva legal
Esse é outro aspecto da lei que os incomoda muito e, por isso, querem mudar.
Pelo Código Florestal em vigor, os produtores rurais são obrigados a manter um percentual de vegetação nativa em 80% na Amazônia Legal, 35% no Cerrado e 20% nas demais regiões.
De acordo com a proposta inserida no “Novo Código”, as propriedades com até quatro módulos rurais não serão obrigadas a manter reserva nenhuma. O tamanho do módulo rural pode variar de cinco a 110 hectares, dependendo do município e da região do país. Com a nova lei, em alguns lugares, propriedades de 1.100.000 m² não precisarão manter uma única árvore em pé. Em outros, as empresas e latifundiários poderão comprar diversas “pequenas propriedades”, cada uma delas também sem nenhuma reserva de vegetação.
Como se não bastasse, eles também não querem a sobreposição de Áreas de Reserva Legal com as de preservação permanente. Isso significa que, se na gleba em questão já houver uma nascente, por exemplo, o proprietário pode “descontar” suas dimensões da reserva legal, independentemente do tamanho de sua propriedade.
É difícil imaginar uma grande extensão de terra sem ao menos uma nascente, um rio, uma encosta ou um morro. Então, na prática, pode não haver mais reserva legal de vegetação em nenhum lugar do país.
Moratória e anistia para desmatadores
Segundo o projeto do Novo Código Florestal, se já houver reserva legal de vegetação em áreas que não precisarão mais tê-las, os respectivos proprietários poderão destruí-las e utilizá-las como bem entenderem, mas só daqui a cinco anos.
Finalmente, há ainda o aspecto relacionado à regularização ambiental. A legislação atual determina que o desmatamento em áreas de preservação permanente e a falta de registro da reserva legal deixam o produtor sujeito a multas e até a suspensão das atividades produtivas.
No texto do projeto da nova lei, há a concessão do prazo de cinco anos, para aquele que desmatou se “adequar” e não obriga a recomposição da mata derrubada até julho de 2008.
Quem destruiu qualquer tipo de vegetação, em qualquer lugar, com motoserra, fogo, até essa data, estará automaticamente perdoado e não precisará nem consertar o estrago que causou!
Não é difícil concluir que sustentabilidade que virá com a nova lei é a da atividade econômica exploradora dos ruralistas e do agronegócio, entre outras. E a única espécie de preservação que o deputado Aldo Rebelo está preocupado é a do cargo que ocupa.
Debate necessário
Toda a discussão em torno do Novo Código Florestal é em essência uma fraude completa. Não existe discussão alguma, apenas uma imposição desses setores da economia capitalista, sob um aparente debate democrático. Certamente esse projeto de lei será aprovado, não porque protege os pequenos agricultores e a população em geral da escassez de recursos naturais, mas porque os políticos tem suas campanhas políticas financiadas pelas empresas interessadas em expandir seus negócios para as áreas atualmente protegidas.
Fora isso, não podemos esquecer que, em diversos estados e municípios, o Código Florestal já está sendo sistematicamente flexibilizado por seus respectivos órgãos ambientais, que vem concedendo licenças para os mais diversos empreendimentos em Áreas de Preservação Permanente.
Essas intervenções são as maiores causas dos desastres ambientais e da escassez de recursos necessários à manutenção da vida, tamanho é o desequilíbrio natural que provocam.
O debate que deve ser colocado à população em geral aponta para o sentido oposto desse criado pelo deputado do PCdoB. Uma nova legislação ambiental tem que dar mais proteção aos recursos naturais, não menos. Também deve criar mecanismos para que as comunidades tenham livre acesso aos mesmos e possam interferir nos licenciamentos de obras e empreendimentos.
Essas são medidas urgentes, que devem ser colocadas em prática desde já, mas sem esquecer que a luta contra o capitalismo é o primeiro passo para que se possa iniciar um verdadeiro debate sobre a sustentabilidade dos recursos naturais.
Saiba mais
VEJA QUAIS SÃO AS DEFINIÇÕES DO ATUAL CÓDIGO FLORESTAL (LEI 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965):
Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processo ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
Área de Preservação Permanente: área protegida (arts. 2º e 3º), coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
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