domingo, 1 de maio de 2011

Valorizada, quinoa se torna inacessível em sua terra, a Bolívia

   Quando os cientistas da Nasa procuravam, décadas atrás, por um alimento ideal para longas viagens ao espaço, eles se depararam com um planta dos Andes chamada quinoa.           Formada por uma excepcional mistura de aminoácidos, a quinoa, segundo eles, não tem rival à sua altura entre animais e plantas para os nutrientes que carrega.
Embora os bolivianos se sustentem desse alimento há séculos, a quinoa provocou pouca curiosidade fora dos Andes: era encontrada apenas em lojas especializadas em alimentação saudável e em laboratórios de pesquisa - ao menos até pouco tempo atrás, mostra reportagem publicada no "New York Times".
  A demanda por quinoa explodiu recentemente nos países desenvolvidos. Consumidores americanos e europeus descobriram a "cultura perdida" dos incas. O surto aumentou a renda dos agricultores de um dos países mais pobres do continente.
  Houve, no entanto, um efeito colateral: menos bolivianos podem, agora, pagar pelo alimento, o que os fez adotar uma dieta mais barata, composta por comida processada. Aumentou-se, assim, os riscos de desnutrição em um país que há muito luta contra este problema. Enquanto os preços da quinoa quase triplicaram nos últimos cinco anos, seu consumo por bolivianos caiu 34% no mesmo período, de acordo com o governo local.
  O dilema resultante - agricultores lucram mais, embora menos bolivianos estejam usufruindo dessa rica fonte de nutrientes - fez nutricionistas e autoridades correrem atrás de soluções.
  - Como agora é exportada, a quinoa tornou-se muito cara - lamenta Julia Cabrerizo, nutricionista do Hospital de Clínicas de La Paz. - Não é um alimento de consumo difundido, como massa ou arroz.
  A quinoa, domesticada milhares de anos atrás no árido solo do planalto boliviano e comumente confundida com um grão, é, na verdade da subfamília Chenopodioideae, ligada a espécies como beterraba e espinafre. Suas sementes têm um gosto leve, semelhante ao de nozes, e quando cozidas tornam-se quase translúcidas.
  Enquanto os incas usavam a quinoa para alimentar seus soldados, só recentemente os agricultores bolivianos, auxiliados por organizações de ajuda internacional europeias e americanas, começaram a cultivá-la para exportação.
  O foco no mercado estrangeiro mudou a vida de locais como Salinas de Garcí Mendoza, uma comunidade à beira das salinas do sul boliviano, onde boa parte da produção de quinoa é realizada. Líderes agrícolas asseguram que as exportações crescentes da planta melhoram o padrão de vida regional.
  - Antes da quinoa atingir seu preço atual, os habitantes daqui procuravam emprego na Argentina e no Chile - lembra Miguel Chope Llanos, diretor comercial da Associação Nacional de Produtores de Quinoa. Agora, diz, os preços crescentes do alimento encorajaram aqueles que deixaram o país a voltar ao campo durante as temporadas de plantio e colheita.
  Ainda assim, há motivos para preocupar-se. Embora os índices de desnutrição tenham diminuído nos últimos anos, graças a um agressivo programa social do governo, a nutricionista Maria Julia alerta que, de acordo com estudos, a desnutrição infantil cresceu em áreas de cultivo de quinoa, inclusive em Salinas de Garcí Mendoza. O motivo? Os preços crescentes do produto, cada vez mais destinado para fora do país.
  - Eu adoro quinoa, mas não tenho mais condições de pagar por ela - diz Micaela Huanca, de 50 anos, ambulante de El Alto, ao norte de La Paz. - Vejo-a nos mercados e vou embora.

  Autoridades bolivianas consideram que a mudança dos hábitos alimentares, assim como a capacidade maior de compra de alimentos processados, também explicam o retrocesso da quinoa no mercado interno.
- Tem a ver com a cultura dos alimentos, porque, se você der às crianças uma farinha torrada de quinoa, elas não comem; elas querem pão branco - assegura Víctor Hugo Vásquez, vice-ministro de Desenvolvimento Rural e Agricultura. - Se você oferecer água fervida, açúcar e farinha torrada de quinoa em uma bebida, elas preferem Coca-Cola.


  A perda de consumidores vizinhos aos locais de cultivo alarmou alguns dos principais comerciantes da planta nos EUA, onde a quinoa é cada vez mais cobiçada por pessoas preocupadas com a saúde.
- É um pouco desanimador ver um movimento como este ocorrer na Bolívia, mas a vida e a economia são assim - resigna-se David Schnorr, presidente da Corporação Quinoa de Los Angeles, uma das maiores importadoras do produto nos EUA, e que trabalha com artigos bolivianos desde os anos 80.
Segundo Schnorr, a escalada do preço da quinoa nos EUA também motivou outras preocupações.
- Por US$ 5 a caixa, só um punhado de pessoas pode se dar a este luxo - queixa-se, afirmando que o melhor seria ver este valor reduzido pela metade. - Sempre advoguei pela expansão do mercado, mantendo o preço em um ponto que permitisse que mais pessoas experimentem o produto.
  O governo boliviano tenta insuflar o consumo doméstico, mesmo com a quinoa deparando-se com uma competição acirrada com outros alimentos. Nos supermercados de La Paz, uma embalagem de um quilo de quinoa custa o equivalente a US$ 4,85. Um pacote do mesmo peso de talharim custa US$ 1,20. De arroz, US$ 1.
  O presidente Evo Morales afirmou este mês que pretende gastar mais de US$ 10 milhões em empréstimos para produtores da quinoa, e autoridades da pasta de saúde estão incorporando a planta a uma cesta básica distribuída mensalmente a milhares de gestantes e mulheres em fase de amamentação.
Vásquez, o vice-ministro, garante que a quinoa também será incluída na refeição das Forças Armadas e no café da manhã das escolas:
- Isso já é uma prática em algumas cidades, mas queremos expandir.
  Apesar dos preços galopantes, alguns se esforçam para não abandonar o consumo da quinoa. Paulina Vásquez, 52, dona de casa e mãe de três filhos, vive em um distrito pobre nas escarpas de uma montanha íngreme de La Paz. Ela administra sua própria cultura da planta em um terreno da família, na periferia da capital boliviana. A quinoa embalada vista nos supermercados não cabe em seu orçamento.
  Em vez de pagar pelo produto, Paulina colhe sua quinoa, armazena e depois prepara o produto com suas próprias mãos. É um processo meticuloso que inclui uma lavagem para retirar um revestimento que protege as sementes. A dona-de-casa costuma fazer uma bebida doce com quinoa, maçã, canela e açúcar no café da manhã. Mas, segundo ela, os integrantes mais novos da família já abdicaram da planta.
- Quem é da minha idade ou mais velho come quinoa. Os jovens não querem - compara. - Todos correm atrás de uma panela de macarrão, como se fosse uma comida muito nutritiva. Até meus filhos são assim.

Ps.: Tomei ciência da matéria, após despretensiosa conversa com o revolucionário, e meu camarada, profº Alexandre Elias.

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