terça-feira, 1 de novembro de 2011

Especialistas discutem se o mundo poderia enfrentar uma epidemia como a do filme "Contágio"

  • Matt Damon em cena do filme Contágio, que entra em cartaz nesta sexta-feira (28) Matt Damon em cena do filme "Contágio", que entra em cartaz nesta sexta-feira (28)

    Um rápido vírus letal que se espalha facilmente capaz de matar em poucas horas e, em alguns dias, infecta milhões de pessoas em todo o mundo. O roteiro combina com o  suspense americano, mas será que pode virar realidade? O tema foi discutido nesta sexta-feira (28) por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio, em evento de lançamento do filme “Contágio".

  • O longa, que estreia em circuito nacional com produção da Warner Bros, tem a direção de Steven Soderbergh, vencedor do Oscar “Traffic: Ninguém sai limpo”. Ele foi rodado em cidades como Macau, Hong Kong, Atlanta, Bogotá, Chicago, Paris e São Paulo.
    Com a presença de atores renomados, como Marion Cotillard, Matt Damon, Laurence Fishburne, Jude Law, Gwyneth Paltrow e Kate Winslet, a ficção retrata como uma epidemia se espalha rapidamente e a comunidade médica mundial inicia uma corrida contra o tempo para encontrar a cura e controlar o pânico que paralisa os países e aterroriza a população.
    Mas o que separa um roteiro de suspense da vida real quando a epidemia Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) paralisou a Ásia em 2003 ou a gripe suína H1N1 que atingiu o mundo em 2009?
    Só a epidemia Sars contaminou mais de 8.000 pessoas e matou outras 700 e foi considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como a mais séria doença contagiosa de tempos recentes. A propagação que gerou pânico na Ásia só foi controlada após a adoção de medidas drásticas, como o isolamento compulsório dos doentes e a quarentena dos suspeitos de portassem o vírus. Já a H1N1 matou, em 2009, pelo menos 12.000 pessoas em todo o mundo.
    Corrida contra o tempo para a cura
    “O filme mostra a dinâmica de uma investigação e como se comporta a vigilância epidemiológica e os sistemas de saúde perante uma doença nova. Toda essa corrida contra o tempo”, disse ao UOL Ciência e Saúde Marilda Siqueira, chefe do laboratório de vírus respiratórios da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). O laboratório atua como referência nacional para o Ministério da Saúde para o vírus Influenza e, durante a pandemia do vírus H1N1, esteve ativamente contribuindo para a distribuição de testes de identificação do vírus em todo o país.
    Na trama, o vice-diretor do CDC, Ellis Cheever, interpretado por Laurence Fishburne, representa a pedra fundamental dessa infraestrutura e é o líder dos esforços para proteger, informar e estabelecer as políticas públicas nos EUA em meio à crise que se alastra rapidamente.
    No filme, basta um contato em um instante e o vírus mortal é transmitido. Grandes cidades como Minneapolis, Chicago, Londres, Paris, Tóquio e Hong Kong, os números rapidamente se multiplicavam: um caso virava 4, depois 16, logo centenas e milhares. O contágio varreu todas as fronteiras alimentado pelas inúmeras interações feitas pelos seres humanos no curso da vida diária e explode numa pandemia mundial.
    Nos centros de controle e prevenção de doenças, pesquisadores tentam decifrar o código biológico único do patógeno, enquanto ele continuava a sofrer mutações. Enquanto o vírus se alastrava, surge uma onda de suspeitas sobre uma vacina em potencial e sobre quem deveria recebê-la primeiro, as pessoas lutavam para proteger a si e àqueles que amam. Em meio a um tumulto, um blogueiro ativista (interpretado por Jude Law) alega que o público não recebia toda a verdade sobre o que estava de fato acontecendo, e com isso, dá início a uma paranoia sobre epidemia e medo.
    Segundo Marilda Siqueira, o filme retrata ainda a preocupação de se chegar ao “caso índice”, isto é, ao paciente zero, e saber como começou a transmissão da doença. “É necessário descobrir o caso índice, chegar no agente que começa a cadeia de transmissão para entender essa doença”, analisa.
    Veracidade da história
    Para a elaboração do roteiro de “Contágio”, a produção do longa se encontrou com renomados especialistas na área de doenças infecciosas e empreendeu uma pesquisa que durou meses para assegurar a veracidade da história que Steven Soderbergh queria contar. “Os cientistas nos Estados Unidos se basearam no vírus Nippah para ajudar o roteirista para a construir o filme. O paramyxovírus Nippah faz um ciclo do morcego, passando para porcos e depois para o homem”, destacou a chefe de laboratório da Fiocruz.
    Contudo, a transmissibilidade no filme foi rápida demais, em poucas horas dezenas de pessoas já eram infectadas. Segundo a cientista, isso é improvável que ocorra na realidade. “Por isso é preciso conhecer a cadeia de infecção. O conhecimento de qual é o ciclo na natureza envolvido na doença para chegar ao homem é extremamente importante para tomar medidas de contenção que evitam a doença se espalhar mais” discutiu Siqueira.
    Vírus Nippah
    A cientista lembrou que em Bangladesh, quando foi detectado o vírus Nippah, em 2008, 900 mil porcos foram mortos no país. Algo semelhante ocorreu com a Influenza H5, a gripe aviária, que começou a circular, em 1997, em Hong Kong, todas as galinhas foram abatidas.
    Na realidade, o contágio provavelmente não se espalharia tão rápido, mesmo num mundo globalizado onde a circulação de pessoas é muito intensa. Segundo Siqueira, a globalização dos meios de transporte é um fator para a transmissão de doenças infecto-contagiosas e muito difícil de conter um vírus. “Os primeiros casos da pandemia de Influenza no Brasil foram de viajantes do México que voltaram infectados. As viagens internacionais são incontroláveis e são extremamente importantes na disseminação das doenças”, salientou.
    Segundo a virulogista, é uma realidade que não lavar as mãos corretamente, um espirro ou tosse pode contaminar outros indivíduos, “mas depende do agente, o vírus ou bactéria”, admite. “Alguns vírus, para passar de uma pessoa a outra, tem que estar a uma determinada distância. Tudo depende da resposta da pessoa, se há um contato prolongado ou de fatores do hospedeiro”.
    Vacina
    O filme também mostra a corrida contra o tempo para desenvolver uma vacina capaz de prevenir a transmissão de um vírus que sofre constantes mutações.
    É “absolutamente impossível” a produção de vacinas em um tempo tão curto, disse ao UOL Ciência e Saúde Mauro Schechter, professor de doenças infecciosas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e um dos fundadores da Fundação para Pesquisa em Vacina com sede em Washington. No período de três a quatro meses no filme, a vacina já estava pronta para ser aplicada na população.  “O filme é um thriller americano, o importante é que tudo mostrado é tecnicamente correto, mas o tempo que as coisas acontecem não é possível”.
    Segundo Schechter, nenhuma doença tem uma transmissão tão fácil que adoece tão rapidamente e mata assim que entra no corpo. “Um vírus para entrar no corpo tem um período de incubação para se multiplicar e o período mais curto é de cinco a sete dias. Não haveria período de incubação de horas, isso é extremamente improvável”, analisa.
    O tempo para se encontrar uma vacina e produzi-la é muito variável e pode levar, pelo menos, seis meses.
    “O tempo depende muito do agente. Para alguns vírus e bactérias é relativamente fácil desenvolver uma vacina, já para outros é muito complicado”, ressaltou Marilda Siqueira ao explicar que são várias as etapas, pois deve haver experimentação em animais, encontrar a dose certa para dar a proteção, além de monitorar em animais ações adversas. “Tudo isso demora tempo. E quando falamos em doença respiratória, não tem como conter o seu espalhamento, o vírus não escolhe área pobre ou rica, religião nada”, disse.
    Um exemplo da dificuldade de desenvolver vacinas é o caso do vírus Sincicial Respiratório que todo ano causa epidemia, principalmente, em crianças menores de dois anos de idade. “Esse vírus foi descrito em 1959, em 1969 tentaram fazer vacina para ele, mas até hoje não conseguiram. Para alguns agentes é muito difícil fazer uma vacina eficaz e segura”, contou Siqueira.
    Schechter chama a atenção para a necessidade de haver mais investimentos em vacinas. “A vacina é o maior custo-efetivo que existe pois ela previne, só que não há estímulo para reproduzir vacina e ter retorno financeiro”, criticou. No mundo, investe-se cerca de dois bilhões de dólares para desenvolvimento de vacinas, um valor muito reduzido à sua necessidade.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário