Considerado um dos maiores cosmólogos da atualidade, Joseph Silk fala a VEJA sobre a missão espacial que vai ajudar a explicar o Big Bang e como a cosmologia mistura teoria e prática para entender a origem de tudo
Marco Túlio Pires
O cosmólogo Joseph Silk (Priscila Castilho)
Poucas pessoas sabem tanto sobre o início do universo quanto o astrofísico inglês Joseph 'Joe' Silk, ex-chefe do departamento de astronomia da Universidade de Oxford e atual líder de um grupo de astrônomos do Instituto de Astrofísica da França. Ele já publicou mais de 700 estudos relacionados ao nascimento do cosmo e das galáxias e já foi citado 27.000 vezes em trabalhos científicos de outros especialistas.
"Observar o universo a partir da nossa galáxia é como dirigir um carro com o para-brisa sujo e sem limpadores", diz Silk. “Temos que descobrir como enxergar através da sujeira para ver o caminho." Em outras palavras, a tarefa não é fácil.
Quem é Joe Silk?
Considerado um dos principais cosmólogos da atualidade, Joseph 'Joe' Silk, 69 anos, é autor de vários livros de divulgação científica, dentre eles A Mão Esquerda da Criação (Martins Fontes, 2008, 272 pg.), no qual trata da origem do universo.
Entre 1999 e 2011, o físico ocupou a Cátedra Saviliana de Astronomia, liderando o departamento na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Em 2011, venceu o Balzan Prize, uma espécie de Nobel das ciências humanas e naturais, pelo trabalho no entendimento da evolução do universo. O prêmio foi estabelecido em 1961 e oferece 1 milhão de dólares aos vencedores — o escritor argentino Jorge Luis Borges também foi agraciado com o prêmio.
Agora em Paris, Silk lidera um grupo de astrônomos no Institut d’Astrophysique, em Paris, ligado ao CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica da França). É também professor da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, e membro sênior do Instituto de Astrofísica e Cosmologia da Universidade de Oxford.
Mas o jogo está virando a favor de cientistas como Silk. Como 'máquinas do tempo', telescópios como o Hubble, que fica na órbita da Terra, ou os instalados pelo consórcio europeu ESO no Chile, conseguem enxergar cada vez mais longe. Em astronomia, isso quer dizer que estão chegando mais próximos do que aconteceu bilhões de anos atrás.
Por isso, mesmo que seja impossível enxergar de fato o início do universo, como afirma Silk em entrevista ao site de VEJA, a ciência está próxima de entender o que aconteceu imediatamente após o Big Bang. Essa compreensão vai ajudar a definir como surgiram as galáxias — e a vida em pelo menos uma delas. Mesmo depois disso, contudo, alguns fatos ficarão além da prova. "O melhor palpite da cosmologia é de que o universo é infinito", diz Silk. "Porém, nunca seremos capazes de provar que ele é assim."
O físico esteve no Brasil, na semana passada, para a primeira aula avançada de astrofísica do NAT (Núcleo de Astrofísica Teórica) da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo, e falou ao site de VEJA sobre o nascimento das galáxias, a origem do universo e sobre como os dados divulgados pelo telescópio espacial europeu Planck vão ajudar a compor esse quebra-cabeça.
Um dos instrumentos do observatório espacial Planck parou de funcionar em janeiro. Isso significa que a parte científica da missão chegou ao fim. Agora, os cientistas vão analisar os dados. O senhor acha que a missão obteve sucesso? Até agora, a missão deu informações únicas sobre a Via Láctea. Nosso objetivo final é enxergar além dela, a radiação cósmica de fundo. Observar o universo a partir da nossa galáxia é como dirigir um carro com o para-brisa sujo e sem limpadores. Temos que descobrir como enxergar através da sujeira para ver o caminho. Quando entendemos a sujeira muito bem podemos extraí-la das nossas observações futuras, para ter uma vista mais limpa da radiação cósmica de fundo, que foi formada muito antes da nossa galáxia. É exatamente o que vamos conseguir com os dados finais do Planck, a serem liberados em até três anos.
Por que é importante estudar a origem do universo? É uma questão de entender nossas origens, de onde viemos. É algo que fascina a humanidade por muito tempo. Na teoria, podemos descrever os instantesiniciais do Big Bang, a teoria mais aceita pela cosmologia que descreve uma explosão primordial que deu origem a tudo. Na prática, podemos usar poderosos telescópios — que são como máquinas do tempo — para enxergar milhares de anos depois do Big Bang. Nesse contexto, com teoria e prática, estamos tentando explicar nossas origens.
É possível desenvolver tecnologia para observar os instantes iniciais do Big Bang? Os instantes iniciais, não. Nunca. Contudo, estamos pensando em formas de chegarmos cada vez mais perto.
Saiba mais
SINGULARIDADE
A singularidade é um conceito teórico que descreve o princípio de tudo. É o momento onde toda a matéria do universo estava reunida em um único ponto.
INFLAÇÃO E RADIAÇÃO CÓSMICA DE FUNDO
A inflação cósmica foi uma expansão acelerada do universo nos momentos iniciais do Big Bang. Naquele momento, todos os átomos do universo estavam comprimidos em uma região muito pequena e em expansão acelerada. Cerca de 300.000 anos após a contínua expansão, antes do nascimento das galáxias, estrelas e planetas, a matéria ficou mais rarefeita e deixou de interagir com a radiação. Sem essa interação, a radiação se esfriou e hoje é chamada de radiação cósmica de fundo. Ela está presente em todo o universo e tem a mesma temperatura em diferentes pontos do cosmo: -270 graus célsius. Ela é considerada um fóssil do Big Bang.
Por exemplo? O observatório espacial Planck, por exemplo, está registrando imagens da radiação cósmica de fundo. A teoria diz que numa fração de tempo minúscula depois da explosão inicial — 10-35 segundos — houve uma expansão aceleradíssima do universo, mais rápida que a velocidade da luz. Essa expansão recebe o nome de inflação cósmica . A intensidade desse acontecimento seria tamanha que, se ele realmente aconteceu, deixou rastros no fundo cósmico de micro-ondas. Se os rastros existirem, será uma forma de provar que a inflação cósmica ocorreu e teremos nos aproximado de instantes quase imediatamente posteriores ao Big Bang.
Os dados coletados pelo observatório Planck ajudaram a dizer algo sobre o formato do universo? Os dados nos mostram que o universo é extremamente próximo de ser euclidiano. O formato do universo tem a ver com a quantidade de matéria que existe nele. Se houver matéria suficiente para 'segurar' o cosmo gravitacionalmente, assim como existe matéria suficiente na Terra para mantê-la coesa na forma de um planeta, o universo teria o formato de uma esfera com um espaço finito. Se não existir matéria suficiente para manter a coesão dessa esfera, o universo teria um formato aberto, como o de uma mangueira cortada ao meio. Contudo, os dados coletados até agora mostram que a quantidade de matéria que existe no universo não é grande o suficiente para fechá-lo em uma esfera, nem pequena demais, de modo que ele tenha um formato curvo e aberto. Isso quer dizer que a geometria do universo se assemelha ao de uma folha de papel infinita em todas as direções. Ou seja: duas partículas viajando em paralelo jamais vão se encontrar ao atravessar o cosmo. Contudo, mesmo com a confirmação de um universo plano — ou euclidiano — ainda não sabemos se ele é finito ou infinito.
Por quê? O melhor palpite da cosmologia é de que o universo é infinito. Porém, nunca seremos capazes de provar que ele é assim. Em princípio, é possível que o fim do universo esteja sempre além da nossa capacidade de medi-lo. Isso é verdade mesmo que nossa tecnologia de observação evolua para enxergarmos cada vez mais longe.
Existe algo que possa ser provado sobre o tamanho do universo? Se ele for finito, encontraremos prova. Na radiação cósmica de fundo veremos padrões em escala astronômica por todo o céu. Seriam como cicatrizes cósmicas gigantescas nas imagens geradas pelo Planck. Se o universo for finito, essas marcas regulares encontrarão um fim, por causa do limite no tamanho do universo. Contudo, a prova de que o universo é infinito - na verdade, o melhor palpite da cosmologia - é uma impossibilidade. Sempre ficaremos em dúvida se ele é infinito mesmo ou se suas dimensões estão siplesmente além da nossa capacidade medição.
A dúvida sobre o tamanho do universo é algo que o incomoda? Não. São distâncias tão grandes que não afetarão nossas observações. É uma noção mais ligada à filosofia do que à cosmologia.
Como podemos acreditar em um relato tão detalhado sobre a criação do universo que se apoia em grande parte na teoria, em algo que nunca poderemos provar? Temos maneiras indiretas de entender que a teoria está correta. Por exemplo, a teoria do Big Bang diz que ele foi muito quente e denso. Uma implicação disso é que o universo, por um breve período, passou por condições muito semelhantes ao interior do Sol. Ou seja, reações termonucleares transformaram hidrogênio em hélio. Acontece que a quantidade de hélio que vemos no universo é grande demais para ter sido produzida apenas dentro das estrelas que existem. Por isso, temos quase certeza de que esse hélio foi produzido nos primeiros minutos do Big Bang, antes da formação de estrelas. Isso diz algo sobre a explosão primordial, segundos ou minutos depois do início de tudo. Esse é o ponto de contato entre teoria e prática, em que observações permitem explicar aquilo que não temos condição de verificar.
O Big Bang não explica tudo. Existem três questões não resolvidas: o que aconteceu antes do instante inicial, a natureza da singularidade — o ponto inicial antes da explosão que deu origem a tudo — e a origem das galáxias. Estamos próximos de resolver essas questões? O que aconteceu antes do Big Bang é objeto de discussão da metafísica e da filosofia. Existe uma possibilidade remota de que resquícios tenham sobrevivido à singularidade, caso um universo tenha existido antes do nosso. Se esses resquícios existirem, a melhor especulação diz que eles estarão registrados na radiação cósmica de fundo. Como cicatrizes gigantescas no cosmo, em escala tão larga que até mesmo a inflação cósmica não seria capaz de explicar. Se isso acontecer, talvez tenhamos que recorrer a uma teoria que expresse ideias anteriores ao Big Bang. Não vimos nada disso ainda. Até onde sabemos nada sobrevive à singularidade. Na verdade, nem entendemos a singularidade. Estamos esperando que a teoria da gravidade quântica — aquela que descreve o comportamento dos corpos em escala extremamente pequena — ajude nisso.
E a origem das galáxias? Como elas se formaram? Essa é uma questão dificílima que precisa de observação e teoria. As galáxias são complicadas. São lindas, cheias de estrelas e coisas brilhantes, mas nossos computadores não têm poder suficiente para simulá-las e, portanto, não conseguimos estudá-las detalhadamente. Ainda falta muito para conseguirmos, mas inevitavelmente vai acontecer no futuro por causa da evolução dos computadores.
Por que é tão difícil simular galáxias? Os computadores precisam processar uma quantidade colossal de informações para simular a evolução das galáxias. Para que o modelo seja completo, temos que incluir informações em escalas que vão desde o agrupamento das galáxias (da ordem de milhares de anos-luz), passando por alguns anos-luz (na escala do nascimento de estrelas), até poucas unidades astronômicas (para representar buracos-negros). O nível de detalhe é grande demais para a tecnologia atual. Além disso, precisamos de telescópios mais poderosos para observar em maior resolução a estrutura das galáxias e como ocorre o nascimento delas. Tudo isso servirá de material para melhorarmos nossos modelos.
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