Quando os cientistas aceitam que uma hipótese está errada? Em princípio, a coisa é simples: formula-se uma hipótese para explicar um fenômeno já conhecido ou propor a existência de algo novo. Experimentos são montados com o intuito de verificar a hipótese. Caso o fenômeno já seja conhecido, a hipótese é comparada com hipóteses rivais. A que for mais simples e explicar melhor o que foi observado é escolhida.
A partir daí, ela fica sendo a explicação aceita até que novos fenômenos venham contradizê-la. O segundo caso, hipóteses científicas que propõem novos fenômenos, é bem mais complicado.
A complicação vem de como as hipóteses são construídas. Em geral, especialmente na física e na astronomia, hipóteses são baseadas em modelos matemáticos, descrições aproximadas de como a Natureza opera. Todo modelo é uma aproximação, ou seja, nenhum é réplica perfeita do real. Consequentemente, nenhum modelo é completo.
Por exemplo, na física de partículas, que estuda os menores componentes da matéria, tudo o que conhecemos se resume ao Modelo Padrão, que explica as partículas descobertas até agora e as quatro forças com que interagem entre si.
Sua estrutura é relativamente simples: 12 partículas de matéria arranjadas em três "famílias". A mais conhecida descreve a matéria da qual somos compostos (elétrons, prótons e nêutrons). As duas outras descrevem partículas que surgem em experimentos de altíssimas energias, como os do LHC, famoso pela descoberta do bóson de Higgs.
Mas, como todo modelo é incompleto, existem lacunas no Modelo Padrão. Para preenchê-las, físicos propõem extensões do Modelo Padrão, novos modelos com mais partículas. O teste dessas hipóteses é sempre descobrir as novas partículas propostas pelos modelos.
Deles, o mais famoso é o que invoca uma nova simetria da natureza, a supersimetria. Essa simetria dobraria o número de partículas que existem na Natureza.
Se a supersimetria existe, deveríamos encontrar um monte de novas partículas. Isso parece ruim, mas a ideia é que a supersimetria explicaria vários problemas que existem no Modelo Padrão, os quais não temos espaço para abordar. (Trato disso em meu livro "Criação Imperfeita".)
A supersimetria também pode resolver um enigma cósmico, a existência da matéria escura, que afeta a rotação das galáxias.
Por causa disso, físicos no LHC e em outros experimentos vem buscando partículas previstas por teorias supersimétricas. Até o momento, nada. Recentemente, um raro decaimento ("decomposição") de uma partícula conhecida como méson B criou mais problemas para a supersimetria, que prevê que o decaimento seja muito mais comum do que é.
Por que a supersimetria não é abandonada? A complicação é que modelos matemáticos dependem de parâmetros que podem ser ajustados (massa das partículas, por exemplo), de modo que suas previsões escapem dos instrumentos de detecção: a teoria pode se esconder, em princípio indefinidamente.
E que critério, então, é usado para descartar uma hipótese que não está funcionando? Não existe uma resposta clara. Apenas a humildade de aceitar o erro e propor o novo, mesmo que menos elegante.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".
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