Débora Motta
Elaborado por Henrique Morize e publicado pelo Observatório
Nacional em 1913, mapa do Brasil indica a nova divisão horária
do território nacional (Imagem: Reprodução)
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Com os olhos no céu, mas os pés bem fincados na terra. A astronomia, ciência voltada ao estudo dos corpos celestes, gerou diversas aplicações práticas que fazem parte do cotidiano dos brasileiros. Uma delas foi a sua contribuição, ao longo da história, para a formação dos limites territoriais do País. “A astronomia contribuiu diretamente para o estabelecimento das fronteiras e limites brasileiros. Foi com o auxílio de instrumentos astronômicos, como a bússola, o teodolito – aparelho ótico que mensura ângulos verticais e horizontais – e o cronômetro, que os cartógrafos calcularam, em diversos momentos históricos, a posição exata, em graus, minutos e segundos, do local onde se deveria traçar uma fronteira, a partir da latitude e da longitude”, explicou a historiadora Moema Vergara.
No Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), ela coordena desde 2008 o projeto “Território, Ciência e Nação (1870-1930)”, com o objetivo de entender a participação da astronomia na confecção cartográfica do território do Brasil. “Estudamos várias viagens de astrônomos pelo território nacional com a preocupação de entender o processo de formação do País, em suas relações com a cartografia”, resumiu. As pesquisas foram contempladas pela FAPERJ nos editais Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro e Auxílio à Pesquisa Básica (APQ 1). Diversos artigos produzidos como desdobramento desses estudos, além de imagens de época, mapas interativos e vídeos, estão disponíveis no site da instituição: http://www.mast.br/territorio_ciencia_e_nacao/index.php?n=home .
"Se na época das Grandes Navegações o desafio era navegar por mares nunca antes desbravados, para os astrônomos a dificuldade era avançar por terra, em um país de geografia ainda inexplorada e desconhecida", destaca Moema. Um desses casos foi a incorporação das terras do Acre ao território nacional, conduzida pelo barão do Rio Branco. O trabalho de uma comissão científica foi fundamental para localizar a nascente do rio Javari, que norteou o traçado da fronteira.
“No mapa, uma parte do estado do Acre é uma linha reta. É nessa ponta de linha reta que fica a nascente do Javari, escolhida para ser o limite entre o Brasil e a Bolívia”, explicou. “Quem determinou realmente as coordenadas de latitude e longitude do rio Javari foi o astrônomo belga Luiz Cruls, diretor do Observatório Nacional em 1901. Ele fez uma dramática viagem de reconhecimento ao Amazonas, que resultou na morte de diversos integrantes da expedição por doenças tropicais”, contou.
Foto da primeira Comissão Cruls, na Cachoeira do Rio Cassú, no Planalto Central, durante expedição que ajudou a definir os limites do Distrito Federal (Foto: Acervo Luiz Cruls/Mast) |
Naquela época, o meridiano de Greenwich ainda não era o parâmetro utilizado pelos cientistas. Durante o Império, Luiz Cruls representou o Brasil em uma conferência internacional, realizada em Washington, que discutiu como calcular a longitude de todos os países. “Foi nessa conferência, realizada em 1884, que estabeleceram Greenwich como o meridiano zero. Ele só se tornou oficial no Brasil em 1914, ano de início da Primeira Guerra”, citou Moema. Antes desse marco, os astrônomos não tinham um padrão para contar as longitudes e estabelecer o fuso horário. “Alguns documentos mostram que o meridiano de Paris foi utilizado como referência na cidade, além do meridiano do Rio, que inicialmente se situava no morro do Castelo. Com a possibilidade de derrubar esse morro, o que de fato ocorreu na gestão do prefeito Pereira Passos, transferiram a localização do meridiano do Rio, que passou a ser no Pão de Açúcar”, detalhou a historiadora.
No final do século XIX, Cruls liderou a primeira expedição para demarcar o território onde seria construída a nova capital federal do Brasil. Em 1892, criou-se a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, que deveria não apenas delimitar, na região do Planalto Central, a posição astronômica da área demarcada, mas também analisar sua hidrografia, condições climáticas, natureza do terreno e, quando possível, realizando os estudos que se julgassem necessários. Para trabalhos mais detalhados, foi criada, em 1894, uma segunda expedição, denominada Comissão de Estudos da Nova Capital da União.
Os membros selecionados para integrar as comissões tinham formação variada. Entre eles, havia astrônomos, mecânicos, médicos, farmacêuticos, geólogos e botânicos. As comissões não tinham o propósito de descobrir ou desbravar os sertões, tendo em vista que a região já havia sido visitada anteriormente por outros viajantes. “Os trabalhos realizados pela comissão devem ser considerados como sistematização e classificação da natureza de acordo com padrões científicos, uma vez que a equipe era composta por especialistas de diferentes áreas. Cruls enviou grupos de cientistas para cada vértice do quadrilátero que hoje compõe o Distrito Federal. Eles fizeram cálculos e descreveram as condições naturais da região”, disse Moema. Entre os integrantes dessas comissões estava Henrique Morize, que assumiu a direção do Observatório Nacional após a saída de Cruls da instituição.
A historiadora ressalta que a astronomia ajudou a definir as fronteiras brasileiras, que, mais do que estabelecer limites territoriais, estão associadas à identidade da nação. “É importante divulgar que essa ciência está na base da formação do nosso território. Ao fazer suas medições científicas, os astrônomos descobriam os ribeirinhos, os indígenas, a cultura local e descreviam a natureza do País, com sua flora, fauna, regime dos rios e composições geológicas das terras”, concluiu.
Fonte: http://www.faperj.br/?id=3030.2.3
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