domingo, 29 de abril de 2012

Biólogos querem reforçar ensino da evolução



Preocupados com a disseminação de teorias criacionistas por alguns cientistas, eles pedem a criação de um núcleo temático na USP


Preocupado com a maneira “anticientífica” com que alguns pesquisadores vêm questionando publicamente a teoria evolutiva, um grupo de cientistas está propondo à Universidade de São Paulo a criação de um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) sobre Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica. O problema, segundo eles, é que os questionamentos não são feitos com base em argumentos científicos, mas em dogmas religiosos “disfarçados” de ciência.


Biólogo. Mario de Pinna, no Museu de Zoologia da USP, pesquisa a evolução de peixes - Werther Santana/AE
Werther Santana/AE
Biólogo. Mario de Pinna, no Museu de Zoologia da USP, pesquisa a evolução de peixes


“Temos assistido a alarmantes manifestações de membros da comunidade científica se posicionando publicamente a favor da perspectiva criacionista, distorcendo fatos para questionar a validade científica da evolução biológica”, justificam os pesquisadores na proposta de criação do NAP, submetida à USP no mês passado. “Tais ações visam a influenciar os currículos escolares brasileiros, por meio de polemistas que ostentam supostas credenciais científicas e utilizam argumentos pretensamente complexos extraídos de diferentes campos.”
A proposta é assinada por Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP, Paulo Sano, do Departamento de Botânica da USP, Maria Isabel Landim, também do Museu de Zoologia, e Acácio Pagan, do Departamento de Biociências da Universidade Federal de Sergipe.
Na justificativa, citam uma carta enviada à Academia Brasileira de Ciências (ABC) em março, na qual 15 membros manifestam “preocupação com a tentativa de popularização de ideias retrógradas que afrontam o método científico”, por meio da “divulgação de conceitos sem fundamentação científica por pesquisadores de reconhecido saber em outras áreas da ciência”.
O nome que não é citado nos documentos, mas que é o foco da preocupação, é o do bioquímico Marcos Eberlin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Eberlin também é membro da ABC e tem um currículo respeitável como pesquisador na sua especialidade (a espectrometria de massa, técnica usada para medir a massa e a composição de moléculas), mas defende, no que diz respeito à evolução, uma teoria que a maioria dos cientistas considera ser de natureza puramente religiosa: a do design inteligente, segundo a qual a vida na Terra não evoluiu naturalmente, mas foi projetada e guiada por um criador.
Há várias linhas de pensamento dentro do design inteligente, que podem ou não incluir a teoria darwiniana como parte do processo evolutivo. Evangélico, Eberlin é adepto da linha criacionista, que rejeita a evolução biológica. Ele crê que todos os seres vivos foram criados por Deus da maneira como existem hoje. “Não aceito a evolução porque as evidências químicas que tenho falam contra ela. É uma falácia”, disse Eberlin ao Estado.
“Estamos há 150 anos defendendo uma coisa que não é verdade”, diz ele. “Do ponto de vista molecular, a teoria simplesmente não fecha as contas. Gostando ou não, a gente tem de admitir isso.” Em suas palestras, Eberlin diz que as evidências científicas corroboram perfeitamente os relatos bíblicos sobre a criação do universo e da vida, mesmo “quando dizem que homem foi feito do barro”. “Não temos acesso a Deus, mas temos acesso à sua obra”, diz.

Preocupação. O geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um dos autores da carta aberta à ABC, disse ao Estado que Eberlin tem todo o direito de expressar suas opiniões, “desde que essa expressão não seja prejudicial a outra pessoa ou a toda uma comunidade”.
O que mais preocupa os evolucionistas é o fato de Eberlin apresentar o design inteligente como uma teoria científica válida, dizendo ter “provas” de que a vida foi criada por Deus e de que a evolução biológica não é viável. Uma argumentação que, segundo Salzano, dá força a segmentos religiosos que querem tornar o ensino do design inteligente obrigatório nas aulas de ciência ou cercear de alguma forma o ensino da própria evolução. “É uma atitude anticientífica.”
“O design inteligente não é uma teoria nem uma hipótese, é no máximo uma conjectura, que já foi considerada, avaliada e refutada séculos atrás”, diz o biólogo Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP. “É, basicamente, um dogma religioso que vê a teoria evolutiva como uma ameaça e que procura se manter vivo a qualquer custo.”
A criação do Núcleo de Apoio à Pesquisa na USP, segundo seus proponentes, seria uma maneira de responder a esse tipo de questionamento com projetos adequados de pesquisa, educação e comunicação sobre a base científica da evolução biológica.
Segundo de Pinna, é preciso melhorar muito ainda o ensino da teoria evolutiva no Brasil. “A quantidade de gente que dá aula de Biologia e não entende evolução é infelizmente muito grande”, diz. “Precisamos de um esforço amplo de educação e divulgação para suprir essa deficiência.”

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