Preocupados com a disseminação de teorias criacionistas por alguns cientistas, eles pedem a criação de um núcleo temático na USP
Preocupado com a maneira “anticientífica” com que alguns
pesquisadores vêm questionando publicamente a teoria evolutiva, um
grupo de cientistas está propondo à Universidade de São Paulo a criação
de um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) sobre Educação, Divulgação e
Epistemologia da Evolução Biológica. O problema, segundo eles, é que os
questionamentos não são feitos com base em argumentos científicos, mas
em dogmas religiosos “disfarçados” de ciência.
Werther Santana/AE
Biólogo. Mario de Pinna, no Museu de Zoologia da USP, pesquisa a evolução de peixes
“Temos assistido a alarmantes manifestações de membros da comunidade
científica se posicionando publicamente a favor da perspectiva
criacionista, distorcendo fatos para questionar a validade científica da
evolução biológica”, justificam os pesquisadores na proposta de criação
do NAP, submetida à USP no mês passado. “Tais ações visam a influenciar
os currículos escolares brasileiros, por meio de polemistas que
ostentam supostas credenciais científicas e utilizam argumentos
pretensamente complexos extraídos de diferentes campos.”
A proposta é assinada por Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da
USP, Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP, Paulo Sano, do
Departamento de Botânica da USP, Maria Isabel Landim, também do Museu de
Zoologia, e Acácio Pagan, do Departamento de Biociências da
Universidade Federal de Sergipe.
Na justificativa, citam uma carta enviada à Academia Brasileira de
Ciências (ABC) em março, na qual 15 membros manifestam “preocupação com a
tentativa de popularização de ideias retrógradas que afrontam o método
científico”, por meio da “divulgação de conceitos sem fundamentação
científica por pesquisadores de reconhecido saber em outras áreas da
ciência”.
O nome que não é citado nos documentos, mas que é o foco da
preocupação, é o do bioquímico Marcos Eberlin, da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp). Eberlin também é membro da ABC e tem um currículo
respeitável como pesquisador na sua especialidade (a espectrometria de
massa, técnica usada para medir a massa e a composição de moléculas),
mas defende, no que diz respeito à evolução, uma teoria que a maioria
dos cientistas considera ser de natureza puramente religiosa: a do
design inteligente, segundo a qual a vida na Terra não evoluiu
naturalmente, mas foi projetada e guiada por um criador.
Há várias linhas de pensamento dentro do design inteligente, que
podem ou não incluir a teoria darwiniana como parte do processo
evolutivo. Evangélico, Eberlin é adepto da linha criacionista, que
rejeita a evolução biológica. Ele crê que todos os seres vivos foram
criados por Deus da maneira como existem hoje. “Não aceito a evolução
porque as evidências químicas que tenho falam contra ela. É uma
falácia”, disse Eberlin ao Estado.
“Estamos há 150 anos defendendo uma coisa que não é verdade”, diz
ele. “Do ponto de vista molecular, a teoria simplesmente não fecha as
contas. Gostando ou não, a gente tem de admitir isso.” Em suas
palestras, Eberlin diz que as evidências científicas corroboram
perfeitamente os relatos bíblicos sobre a criação do universo e da vida,
mesmo “quando dizem que homem foi feito do barro”. “Não temos acesso a
Deus, mas temos acesso à sua obra”, diz.
Preocupação. O geneticista Francisco Salzano, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um dos autores da carta
aberta à ABC, disse ao Estado que Eberlin tem todo o direito de
expressar suas opiniões, “desde que essa expressão não seja prejudicial a
outra pessoa ou a toda uma comunidade”.
O que mais preocupa os evolucionistas é o fato de Eberlin apresentar o
design inteligente como uma teoria científica válida, dizendo ter
“provas” de que a vida foi criada por Deus e de que a evolução biológica
não é viável. Uma argumentação que, segundo Salzano, dá força a
segmentos religiosos que querem tornar o ensino do design inteligente
obrigatório nas aulas de ciência ou cercear de alguma forma o ensino da
própria evolução. “É uma atitude anticientífica.”
“O design inteligente não é uma teoria nem uma hipótese, é no máximo
uma conjectura, que já foi considerada, avaliada e refutada séculos
atrás”, diz o biólogo Mario de Pinna, do Museu de Zoologia da USP. “É,
basicamente, um dogma religioso que vê a teoria evolutiva como uma
ameaça e que procura se manter vivo a qualquer custo.”
A criação do Núcleo de Apoio à Pesquisa na USP, segundo seus
proponentes, seria uma maneira de responder a esse tipo de
questionamento com projetos adequados de pesquisa, educação e
comunicação sobre a base científica da evolução biológica.
Segundo de Pinna, é preciso melhorar muito ainda o ensino da
teoria evolutiva no Brasil. “A quantidade de gente que dá aula de
Biologia e não entende evolução é infelizmente muito grande”, diz.
“Precisamos de um esforço amplo de educação e divulgação para suprir
essa deficiência.”
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