Novo modelo ajuda a explicar como surgiram esses colossos que habitam o centro das galáxias
SALVADOR NOGUEIRA |
Edição 194 - Abril de 2012
Praticamente toda galáxia abriga, em seu coração, um gigantesco
buraco negro, com milhões a bilhões de vezes a massa do Sol. Nenhum
objeto astrofísico conhecido pode originar uma aberração dessas, de
forma que o segredo de sua origem se perde na aurora do Universo. Agora
um novo modelo concebido por pesquisadores brasileiros pode ajudar a
explicar o aparecimento e a evolução de criaturas tão importantes quanto
misteriosas do zoológico cósmico.
Não é difícil fabricar um buraco negro qualquer. Toda estrela com
massa suficientemente elevada, ao esgotar seu combustível, implode sob
seu próprio peso e se torna um. Trata-se de um objeto cuja gravidade é
tão intensa que nada pode escapar de sua superfície, nem a luz.
Acontece que as estrelas de maior massa conhecidas hoje têm cerca de
150 vezes a massa do Sol. Antes de virar um buraco negro, estrelas desse
tipo – as gigantes azuis – explodem na forma de supernova e perdem boa
parte de sua massa original. Na melhor das hipóteses, sobra um buraco
negro com algumas dezenas de massas solares. Como chegar aos milhões de
sóis dos buracos negros no centro das galáxias?
Para os astrofísicos Eduardo dos Santos Pereira e Oswaldo Miranda, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos
Campos, no interior paulista, circunstâncias especiais no passado
cósmico teriam permitido o surgimento desses colossos. Em primeiro
lugar, nos primórdios o Universo possibilitava a formação de estrelas
bem maiores do que as de hoje. Essas estrelas de massa muito elevada
seriam perfeitamente capazes de gerar as sementes dos atuais glutões
galácticos, que, em bilhões de anos, aumentariam de massa engolindo
objetos que caíssem em seu crescente campo gravitacional.
Esse processo conhecido como acreção já era mais ou menos visto como
consenso entre os astrofísicos. Contudo, ele sempre foi usado com alguma
arbitrariedade. “A questão do crescimento dos buracos por acreção
sempre foi tratada de forma meio ad hoc”, diz Miranda. “Os
pesquisadores determinam uma taxa de acreção de massa e a ajustam para
atingir a massa que os buracos negros teriam de ter no presente.”
O grande salto do trabalho, publicado no final de 2011, foi
demonstrar que é possível explicar o surgimento dos buracos negros de
massa muito elevada a partir da taxa de formação estelar cósmica – um
número que descreve quantas estrelas nascem, em média, a cada momento da
vida do Universo. “Muita gente procurava esse vínculo que encontramos”,
afirma Miranda.
Uma questão intrigante acerca dos superburacos negros é a relação
deles com a formação das galáxias que habitam. Seriam eles as sementes
em torno das quais as estrelas se agrupam? Ou a formação das galáxias
induziria o surgimento do buraco negro no centro?
Coevolução
Aparentemente, a resposta é uma coevolução dos dois fenômenos, motivada
por um terceiro elemento: a matéria escura. Halos dessa misteriosa
componente – ela responde pela maior parte da matéria do Universo e só
interage com as partículas convencionais por meio da força gravitacional
– induziriam o surgimento de estrelas gigantescas no início do Cosmo e,
mais tarde, aglomerariam a matéria circundante em seu interior,
fornecendo os “tijolos” para a construção das galáxias. Nesse contexto,
os buracos negros antecederiam a formação das galáxias, mas ambos
evoluiriam sob influência da matéria escura.
O novo trabalho também indica que o crescimento dos buracos negros
gigantes no centro das galáxias pode se dar de forma paulatina nos 13,5
bilhões de anos que se sucederam ao surgimento das primeiras estrelas. A
maioria dos modelos anteriores sugeria a necessidade de um crescimento
hiperacelerado, que não casava bem com o que se entendia dos mecanismos
de acreção envolvidos.
Outra consequência importante é que, estabelecida a relação entre a
taxa de formação estelar e o crescimento dos buracos negros gigantes,
foi possível estimar o comportamento desses buracos negros no passado
remoto. Essas previsões podem vir a ser confirmadas pela próxima geração
de telescópios, como o James Webb, projetado pela Nasa para substituir o
Hubble na próxima década.
“O modelo explica os observáveis, desde que os buracos negros
sementes tenham mil massas solares. Esse é o problema”, avalia João
Steiner, astrônomo da Universidade de São Paulo. Para ele, não está
claro que o Universo primordial, mesmo com condições favoráveis ao
surgimento de estrelas maiores, possa ter gerado buracos negros dessa
magnitude.
Estrelas maiores podem ter surgido no passado distante em
consequência da composição mais simples do Universo primordial. Logo
após o Big Bang, quando as primeiras estrelas teriam se formado, os
únicos elementos químicos disponíveis seriam o hidrogênio e o hélio.
Átomos mais pesados – como oxigênio e carbono, essenciais à vida – só
surgiriam mais tarde, depois que os primeiros astros começassem a
explodir em supernovas. Com menos elementos pesados, que fragmentam as
nuvens de gás reduzindo a chance de formar objetos de massa elevada,
estrelas muito maiores que as atuais podem ter existido.
Mas seriam tão maiores assim? “Há uma esperança de que a resposta
esteja aí”, diz Steiner. “Mas talvez seja só um desejo dos
pesquisadores. Por que não se formam estrelas muito massivas, por
exemplo, na Pequena Nuvem de Magalhães? Lá há uma metalicidade [presença
de elementos pesados] quase primordial.” Para Miranda, na falta de
exemplos observáveis, é preciso se apoiar em criações teóricas.
“Simulações computacionais”, diz, “mostram que estrelas de 500 a mil
massas solares seriam comuns no Universo primordial”.
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