REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"
É como se o quadro-negro de uma aula de astronomia que aconteceu há mais
de mil anos tivesse sido encontrado em meio à selva da Guatemala. Os
números anotados por um escriba maia estão borrados, mas ainda visíveis.
A descoberta, descrita por uma equipe de arqueólogos dos Estados Unidos
na revista especializada "Science", é o mais antigo registro dos
calendários astronômicos dos maias, os quais, em sofisticação, pouco
deviam a civilizações que também viviam de olho no céu, como os egípcios
e os babilônios.
Para tristeza dos teóricos da conspiração e profetas do Apocalipse, não
há nenhuma menção ao suposto fim do mundo em 2012 nas tabelas
astronômicas, que provavelmente datam do ano 813 da nossa era (a data
foi encontrada perto das inscrições).
Por outro lado, os números mostram que, assim como os monges medievais
seus contemporâneos, os habitantes da América Central tinham grande
interesse nos ciclos da Lua, do Sol e dos planetas -provavelmente por
razões religiosas, já que esses ciclos eram vistos como manifestações da
ordem cósmica.
Editoria de arte/Folhapress | ||
SAQUEADORES
Os achados descritos pela equipe de William Saturno, da Universidade de
Boston, vêm da antiga cidade de Xultun, uma das poucas metrópoles maias
que ainda precisam ser exploradas com mais afinco pelos cientistas.
Os saqueadores de antiguidades, por outro lado, já se divertiram um
bocado por lá. Aliás, foi graças a eles que os calendários astronômicos
acabaram sendo revelados.
É que a casa onde eles foram achados -provavelmente a casa de um
astrônomo ou escriba, de origem nobre- teve várias fases de uma
ocupação. Numa delas, as imagens nas paredes foram recobertas com uma
camada de terra e cascalho, e uma nova fase de ocupação foi feita "por
cima" disso.
A cobertura acabou preservando os desenhos, hieróglifos e números.
Quando os saqueadores exploraram o local, arrancaram essa camada,
expondo as imagens.
Nem todas as listas de números são visíveis, mas a comparação delas com
textos em "livros" maias, feitos a partir de cascas de árvore por volta
do ano 1200, mostra que eles provavelmente equivalem a ciclos celestes.
Um dos grupos de números, por exemplo, corresponde a múltiplos do número
178 -o "semestre" lunar maia, que era usado para tentar prever eclipses
da Lua e do Sol.
Outro local da casa apresenta colunas encabeçadas por datas em um dos
calendários maias, o de 260 dias (cada data é formada pela combinação de
um número de 1 a 13 e um dos 20 nomes de dias da "semana", já que 13 x
20 = 260).
Abaixo dessas datas, há mais números. A incerteza sobre o significado
deles é maior, mas vários são múltiplos de ciclos astronômicos de Marte,
Vênus e Mercúrio, dizem os pesquisadores.
O mais interessante é que os ciclos maias se estendiam cerca de 7.000
anos rumo ao futuro -muito depois da nossa própria época. "Para eles,
nada mudaria no Universo", afirma Saturno.
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