sábado, 2 de junho de 2012

Correspondência entre Darwin e Fritz Müller ajudou a consolidar a teoria da evolução


   
NELDSON MARCOLIN | Edição 194 - Abril de 2012
© LUIZ ROBERTO FONTES
Livro de Müller traduzido para o inglês a pedido do cientista inglês (esquerda) e o original em alemão


O ano de 1864 foi especial para Charles Darwin. Sob fogo cruzado de grande parte da comunidade científica de seu país e do exterior, o cientista britânico viu serem publicados um livro e um artigo científico que atacavam suas ideias sobre evolução: Exame do livro do senhor Darwin sobre a origem das espécies, do fisiologista francês Pierre Flourens, e Sobre a teoria darwinista da criação, do anatomista suíço Albert Kölliker. A origem das espécies fora lançado em 1859 e tivera todos os seus 1.250 exemplares esgotados em um dia. A controvérsia sobre o tema transformou-se num grande debate científico internacional e ultrapassou rapidamente as fronteiras da academia. Para sorte do evolucionista, também em 1864 surgiu em Leipzig, Alemanha, outra obra abordando a teoria da evolução, cujo título não deixava dúvidas para qual lado pendia: Para Darwin (Für Darwin, no original). Seu autor era Fritz Müller (1822-1897), naturalista que vivia na então cidade de Desterro (atual Florianópolis), em Santa Catarina, e dava aulas no liceu provincial.
O livro de Müller chegou às mãos de Darwin em 1865. Sua mulher, Emma, conhecedora do idioma alemão, leu para o marido já fazendo a tradução. Darwin ficou profundamente admirado com o trabalho. Ao contrário da imensa maioria dos que opinavam sobre A origem das espécies, o naturalista radicado no Brasil o fazia com propriedade, apresentando exemplos zoológicos descritos em detalhes que corroboravam a teoria da evolução, sem se deter em questões filosóficas e religiosas. 
“O livro foi muito importante para Darwin não só pelo apoio, mas também porque ajudou a consolidar a teoria darwinista 
na comunidade científica da época”, diz o biólogo e médico legista Luiz Roberto Fontes, coautor da tradução de Für Darwin (editora da UFSC, 2009) para o português com Stefano Hagen, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo. Ambos fazem parte do projeto Nosso Fritz Müller, de recuperação da memória do cientista alemão que viveu 
45 anos em Santa Catarina, até sua morte.
© PROJETO NOSSO FRITZ MüLLER
Microscópio original do naturalista, enviado pelo amigo Max Schultze

O naturalista havia chegado ao Brasil em 1852, aos 30 anos, com a mulher, uma filha 
e um dos irmãos para a Colônia Blumenau, em Santa Catarina. No começo trabalhava como simples colono, manejando a enxada e o machado, apesar dos dois títulos acadêmicos que possuía, como biólogo e médico. Foi em 1861, quando já estava em Desterro, que seu amigo Max Schultze lhe enviou a tradução alemã de A origem das espécies. Schultze o mantinha atualizado sobre os debates científicos na Europa e despachava anualmente para o Brasil livros e algum material 
para pesquisa, como um microscópio pedido por ele. Encantado com as ideias do inglês, Müller trabalhou sistematicamente no 
estudo de várias espécies, em especial crustáceos, 
e encontrou provas inequívocas do acerto darwinista. Nos anos seguintes ele reuniu suas observações e experimentos em uma monografia que, em homenagem ao inglês, chamou de Para Darwin. Em seguida o enviou para Schultze, que mandou publicar.

O trabalho de Müller fez com que Darwin estabelecesse uma correspondência, colaboração e amizade que duraram até sua morte, em 1882, com cerca de 60 cartas trocadas de lado a lado. Em 1869 Darwin bancou do próprio bolso a tradução do livro para o inglês e a publicação de mil exemplares, com o título Fatos e argumentos a favor de Darwin. Até a sexta edição de A origem das espécies (1872), considerada a definitiva, havia 12 citações sobre os estudos de Müller. “Também ocorreu de Darwin considerar algumas cartas do naturalista alemão tão informativas que sugeria sua publicação como artigo científico em revistas especializadas”, conta Stefano Hagen. Fritz Müller teve uma extensa vida científica produtiva no Brasil (ver Pesquisa FAPESP nº 105) e publicou cerca de 260 artigos, a maioria no exterior.
Desde 2010, Fontes e Hagen colaboram com o Instituto Martius-Staden, de São Paulo, para maior divulgação da história e 
da obra de Müller. Foi montada uma exposição 
que percorreu 16 instituições diferentes pelo Brasil e será levada ao Centro Brasileiro da Universidade de Tübingen, na Alemanha, entre maio e julho. Como neste ano comemoram-se 
os 190 anos de nascimento do naturalista, o instituto transformou o catálogo da exposição no e-book bilíngue Fritz Müller – O príncipe dos observadores, a forma como Darwin referia-se ao amigo alemão naturalizado brasileiro. O e-book pode 
ser acessado em www.martiusstaden.org.br.

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