O número enorme de estrelas vampiras surpreendeu, mas está ajudando os
astrônomos entenderem outros fenômenos até agora
inexplicáveis.[Imagem: ESO/L. Calçada/S.E. de Mink]
Casais violentos
Um novo estudo que utilizou o Very Large Telescope (VLT) do ESO mostrou que
A maioria das estrelas brilhantes de massa muito elevada, responsáveis pela evolução das galáxias, não vivem isoladas.
Quase três quartos destas estrelas têm uma companheira próxima, muito mais do que se supunha anteriormente.
Surpreendentemente, a maior parte destes pares interagem de modo
violento, ocorrendo, por exemplo, transferência de massa de uma estrela
para a outra.
Pensa-se que cerca de um terço destes pares acabará por se fundir, formando uma única estrela.
A descoberta, publicada na revista Science desta quinta-feira, utilizou o VLT (Very Large Telescope) do ESO.
Monstros cósmicos
O Universo é um lugar com muitos aspectos e muitas das estrelas são bastante diferentes do Sol.
A equipe internacional utilizou o VLT para estudar estrelas do tipo
O, que apresentam temperaturas, massas e luminosidades muito elevadas.
Estas estrelas têm vidas curtas e violentas, desempenhando um papel
fundamental na evolução das galáxias.
Estão também ligadas a fenômenos extremos, tais como "estrelas
vampiras", onde a estrela menor suga matéria da superfície da
companheira maior, e explosões de raios gama.
"Estas estrelas são autênticos monstros," diz Hughes Sana
(Universidade de Amesterdam, Holanda), autor principal do estudo. "Têm
15 ou mais vezes a massa do nosso Sol e podem ser até um milhão de vezes
mais brilhantes. Estas estrelas são tão quentes que brilham com uma luz
azul-esbranquiçada e têm temperaturas superficiais que excedem 30 mil
graus Celsius."
Os astrônomos estudaram uma amostra de 71 estrelas de tipo O, tanto
isoladas como em pares (sistemas binários) em seis aglomerados estelares
jovens próximos na Via Láctea. A maior parte das observações utilizou
os telescópios do ESO, incluindo o VLT.
Evolução das galáxias
Ao analisar a radiação emitida por estes objetos com um detalhamento
inédito, a equipe descobriu que 75% de todas as estrelas do tipo O fazem
parte de um sistema binário, uma proporção mais elevada do que se
supunha até agora, e a primeira determinação precisa deste valor.
Mais importante ainda, a equipe descobriu que a proporção destes
pares onde as estrelas se encontram suficientemente próximas uma da
outra para que haja interação entre elas (quer através de fusão estelar,
quer através de transferência de massa pelas chamadas estrelas
vampiras) é muito mais elevada do que a esperada, resultado que tem
implicações profundas na nossa compreensão da evolução de galáxias.
As estrelas do tipo O constituem apenas uma fração de 1% das estrelas
no Universo, mas os fenômenos violentos a que estão associadas
significam que têm um efeito desproporcional em seu meio circundante.
Os ventos e choques que vêm destas estrelas podem tanto dar origem
como interromper a formação estelar, a sua radiação faz com que as
nebulosas brilhem, as suas supernovas enriquecem as galáxias com
elementos pesados essenciais à vida, estando ainda associadas às
explosões de raios gama, as quais se contam entre os fenômenos mais
energéticos no Universo. As estrelas de tipo O estão por isso implicadas
em muitos dos mecanismos que fazem evoluir as galáxias.
"A vida de uma estrela é grandemente afetada pelo fato desta se encontrar próxima de outra," diz Selma de Mink (Space Telescope Science Institute,
EUA), coautora do estudo. "Se duas estrelas orbitam muito próximas uma
da outra, poderão eventualmente fundir-se. Mas mesmo que isso não
aconteça, uma das estrelas normalmente retira matéria da superfície da
outra".
Estas
imagens panorâmicas mostram partes das Nebulosas Carina (à esquerda),
Águia (ao centro) e IC 2944 (à direita). Todas elas são regiões de
formação estelar que contêm muitas estrelas quentes jovens, incluindo
várias estrelas brilhantes de tipo espectral O. [Imagem: ESO]
Universo não aceita simplificações
As fusões entre estrelas, as quais a equipe estima que serão o
destino final de cerca de 20 a 30% das estrelas de tipo O, são fenômenos
violentos. Mas mesmo o cenário comparativamente calmo de estrelas
vampiras, que acontece em 40 a 50% dos casos, tem efeitos profundos no
modo como as estrelas evoluem.
Até agora, os astrônomos pensavam que os sistemas binários de
estrelas de elevada massa, onde as componentes orbitam muito próximo uma
da outra, eram uma exceção, algo apenas necessário para explicar
fenômenos exóticos, tais como binárias de raios X, pulsares duplos ou
buracos negros binários.
Este novo estudo mostra que, para interpretar corretamente o
Universo, não podemos fazer esta simplificação: estas estrelas duplas de
elevada massa não são apenas comuns, as suas vidas são também
fundamentalmente diferentes daquelas que existem enquanto estrelas
isoladas.
Por exemplo, no caso das estrelas vampiras, a estrela menor, de massa
menor, rejuvenesce ao sugar hidrogênio fresco da sua companheira. A sua
massa irá aumentar substancialmente e irá sobreviver à sua companheira,
vivendo muito mais tempo do que uma estrela isolada com a mesma massa.
Entretanto, a estrela vítima fica sem o seu envelope antes de ter
oportunidade de se tornar numa supergigante vermelha luminosa. Em vez
disso, o seu núcleo azul quente fica exposto. Deste fenômeno resulta que
a população estelar de uma galáxia distante poderá parecer muito mais
jovem do que é na realidade: tanto as estrelas vampiras rejuvenescidas
como as estrelas vítimas diminuídas tornam-se mais quentes e azuis em
termos de cor, ficando portanto com a aparência de estrelas mais jovens.
Saber a verdadeira proporção das estrelas binárias de elevada massa
em interação é por isso crucial para se poder caracterizar corretamente
estas galáxias longínquas.
"A única informação que os astrônomos têm das galáxias distantes é
fornecida pela radiação que chega aos telescópios. Sem fazer suposições
sobre o que é responsável por esta radiação, não podemos tirar
conclusões sobre a galáxia, tais como quão massiva ou jovem ela é. Este
estudo mostra que a suposição frequente de que a maioria das estrelas
existem de forma isolada pode levar a conclusões erradas," conclui
Hughes Sana.
Para compreender qual a proporção destes efeitos e como é que esta
nova perspectiva afetará a nova visão da evolução galáctica será
necessário agora fazer a modelagem de estrelas binárias, algo muito
complicado.
Por isso demorará algum tempo até que estas considerações sejam incluídas nos modelos de formação galáctica.
Classificação de estrelas
A maioria das estrelas é classificada de acordo com o seu tipo espectral, ou cor.
Este parâmetro está, por sua vez, relacionado com a massa das estrelas e a sua temperatura superficial.
Partindo da mais azul (e portanto da mais quente e de maior massa)
até a mais vermelha (e portanto a mais fria e de menor massa), a
sequência de classificação mais comum é O, B, A, F, G, K e M.
As estrelas do tipo O têm uma temperatura superficial de cerca de 30
mil graus Celsius ou mais, e possuem coloração azul pálido brilhante. A
sua massa é 15 ou mais vezes a massa do Sol.
Linhas de absorção
As estrelas que compõem os sistemas binários estão geralmente muito
próximas uma da outra para poderem ser observadas como dois pontos de
luz separados de modo direto.
No entanto, a equipe conseguiu detectar a sua natureza binária utilizando o instrumento UVES (Ultraviolet and Visible Echelle Spectrograph) montado no VLT.
Os espectrógrafos separam a radiação emitida pelas estrelas, num
processo semelhante ao de um prisma que separa a radiação solar num
arco-íris.
Impressos na radiação estelar encontram-se tênues padrões de linhas
causadas pelos elementos químicos presentes nas atmosferas das estrelas,
que escurecem cores específicas da radiação.
Quando os astrônomos observam estrelas únicas, estes padrões,
chamados linhas de absorção, estão bem fixos, mas, nos sistemas
binários, as linhas vindas das duas estrelas estão ligeiramente
deslocadas, uma relativamente à outra, devido ao movimento das estrelas.
Características tais como o quanto estas linhas se encontram
deslocadas uma da outra, ou o modo como se deslocam com o tempo,
permitem aos astrônomos determinar o movimentos das estrelas e daí as
suas características orbitais, incluindo se as estrelas se encontram
suficientemente perto uma da outra para que possa haver trocas de
matéria ou até fusão.
Hidrogênio das estrelas
A existência do número enorme de estrelas vampiras agora identificado
está de acordo com um outro fenômeno anteriormente inexplicável.
Cerca de um terço das estrelas que explodem como supernovas têm, surpreendentemente, muito pouco hidrogênio.
No entanto, a proporção de supernovas pobres em hidrogênio está de
acordo com a proporção de estrelas vampiras encontradas neste estudo.
Espera-se que as estrelas vampiras deem origem a supernovas pobres em
hidrogênio nas suas vítimas, uma vez que as camadas exteriores ricas em
hidrogênio terão sido arrancadas pela gravidade da estrela vampira
antes de a vítima ter tido oportunidade de explodir como supernova.
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