Superradiotelescópio inaugurado no Chile procura as primeiras estrelas do Universo frio, escuro e distante
MARCOS PIVETTA | Edição 206 - Abril de 2013
De San Pedro de Atacama – Situado a pouco mais de 5 mil metros de altitude, a cerca de uma hora da localidade turística de San Pedro de Atacama, no norte do Chile, o platô de Chajnantor se tornou palco do maior projeto de observação astronômica construído pelo homem em terra firme. Nesse ponto elevado do deserto mais seco do planeta, onde o céu quase não tem nuvens e a média anual de chuvas é menos de 100 milímetros, o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma) foi oficialmente inaugurado no dia 13 de março. “O Alma é um radiotelescópio que nos permitirá dar um zoom em objetos do Universo frio e distante, com uma sensibilidade de 10 a 100 vezes maior do que a que temos disponível hoje”, afirmou o holandês Thijs de Graauw, diretor do observatório, que deixa o cargo em abril. A máxima resolução angular do Alma é de 0,004 segundo de arco. Isso equivale a ter, da Terra, a capacidade de distinguir um caminhão localizado na Lua.
Composto de um conjunto de 66 antenas de rádio gigantes, que podem funcionar de forma sincronizada como se fossem um único superradiotelescópio de 16 quilômetros de diâmetro, o observatório tem como objetivo principal desvendar os primórdios do Universo, entre 1 e 2 bilhões de anos depois do chamado Big Bang, a explosão que teria dado início a tudo. Após esse grande movimento de liberação de energia, o Universo se resfriou e se tornou escuro. Entrou temporariamente numa Idade das Trevas da qual começou a sair com o surgimento das primeiras estrelas, galáxias e planetas. Esse Universo frio e distante é o alvo por excelência, embora não o único, do Alma. O observatório também procurará pela presença no espaço de moléculas, como açúcar e água, que possam estar relacionadas a formas de vida. Os ciclos solares, que periodicamente provocam ejeção de grandes quantidades de massa de nossa estrela-mãe, serão ainda alvo de outras observações.
Entre planejamento e construção, o empreendimento científico nos Andes chilenos, distante cerca de 1.600 quilômetros da capital Santiago, consumiu 15 anos e US$ 1,4 bilhão. Em cooperação com o governo do Chile, a montagem do Alma foi custeada por seus três grandes sócios. A Europa investiu 37,5% do valor do projeto por meio do Observatório Europeu do Sul (ESO), do qual fazem parte 14 países do Velho Mundo mais o Brasil, que está em processo de confirmação de sua adesão à organização (ver entrevista da astrofísica Beatriz Barbuy, da Universidade de São Paulo, na página 24). Os Estados Unidos contribuíram com um montante igual ao dos europeus e sua participação é coordenada pelo Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO). O Japão e Taiwan entraram com 25% da verba do Alma, e o Observatório Nacional Astronômico do Japão (Naoj) organiza a participação dos asiáticos na empreitada.
Os radiotelescópios do Alma são de dois tamanhos. Há um conjunto maior, composto de 54 antenas com 12 metros de diâmetro. Cada uma dessas parabólicas pesa cerca de 100 toneladas. O segundo grupo é formado por 12 antenas com 7 metros de diâmetro. Usando técnicas de interferometria, os sinais de todos os radiotelescópios – ou de uma parte deles no caso de observações que não necessitem de dados produzidos pelo conjunto de antenas – são combinados e transformados em dados astronômicos num supercomputador instalado no Array Operations Site (AOS), uma unidade de apoio também situada no platô. Desse ponto no altiplano, as informações processadas são transmitidas para o Operations Suport Facility (OSF), um centro operacional localizado a 25 quilômetros de distância do Chajnantor, a uma altitude aproximada de 2.900 metros. Do total de antenas do projeto, 57 já estão em funcionamento no platô e outras 9 se encontram no OSF sendo preparadas para iniciar sua operação provavelmente ainda neste ano.
Inserido na peculiar geografia árida do deserto do Atacama, frequentemente usada como cenário em filmes de ficção científica que tentam reproduzir a superfície de Marte, o platô Chajnantor foi escolhido para ser a sede do observatório devido ao céu transparente e estável. A 5 mil metros, o ar é rarefeito e 40% da atmosfera terrestre se encontra abaixo dessa altitude. A presença de vapor-d’água, elemento que distorce e dificulta o registro das emissões em frequências de rádio, é apenas 5% da quantidade registrada ao nível do mar. Essas características tornam os arredores de San Pedro de Atacama um lugar extremamente favorável ao tipo de observação feita pelo Alma.
O conjunto de radiotelescópios capta a porção (invisível a olho nu) do espectro eletromagnético com comprimentos de onda entre 0,32 e 3,6 milímetros (mm). A luz nesses comprimentos de onda vem de grandes nuvens frias do espaço interestelar, onde a temperatura é apenas alguns graus acima do zero absoluto, e de algumas das mais antigas galáxias do Universo. Ela pode ser usada para estudar a composição química e a física de regiões densas em gás e poeira onde novas estrelas estão sendo formadas.
Frequentemente tais regiões são escuras e não podem ser observadas nas frequências da luz visível. No entanto podem ser “vistas” de forma clara na parte do espectro de luz em que o Alma trabalha. “Os primeiros resultados do Alma são espetaculares”, afirmou Pierre Cox, que está assumindo a direção do observatório no lugar de Thijs de Graauw. Cox acredita que, no futuro, o observatório poderá detectar até a matéria escura, uma misteriosa componente que representa cerca de um quarto do Universo.
Primeiros resultadosEmbora tenha sido oficialmente inaugurado apenas neste ano, o Alma está produzindo dados para trabalhos científicos desde setembro de 2011, quando começou a operar com um número reduzido de antenas, em geral 16. Os primeiros estudos com dados coletados pelo superradiotelescópio começaram a ser publicados em 2012. Os resultados mais interessantes ganharam as páginas da revista Nature em 14 de março deste ano.
Uma equipe liderada por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Estados Unidos, mediu com o Alma, no comprimento de onda ao redor de 3 mm, a distância de 26 galáxias longínquas e poeirentas, onde havia grande formação de novas estrelas, e descobriu que elas estavam mais longe e eram, portanto, mais velhas do que se pensava. “Quanto mais distante estiver uma galáxia, mais longe no tempo a estamos vendo. Por isso, ao medir distâncias, podemos reconstruir a linha cronológica de quão vigorosa é a formação estelar no Universo nas diferentes épocas da sua história de 13,7 bilhões de anos”, disse Joaquin Vieira, do Caltech, principal autor do artigo.
Os pesquisadores viram que, em média, os picos de formação estelar ocorreram 12 bilhões de anos atrás, 1 bilhão de anos mais cedo do que se supunha. Duas dessas galáxias são as mais distantes deste tipo já observadas. Tinham 12,7 bilhões de anos. Numa outra galáxia os astrofísicos detectaram moléculas de água. Segundo os autores do trabalho, essa é a evidência mais longínqua de água já identificada no Universo.
Projetos de brasileirosZulema Abraham, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, foi a primeira astrofísica brasileira a usar o Alma para estudar um objeto celeste. Seu projeto disputou tempo de observação com cerca de mil propostas internacionais e foi uma das 112 iniciativas agraciadas com acesso a dados produzidos pelo observatório. Em novembro do ano passado, 23 radiotelescópios do Alma foram apontados por cerca de 20 minutos na direção da enigmática Eta Carinae, um sistema composto de duas estrelas gigantes de grande luminosidade, a maior com cerca de 90 massas solares e a menor com 30 massas solares.
Distante 7.500 anos-luz da Terra, a Eta Carinae apresenta uma espécie de apagão periódico. A cada cinco anos e meio, deixa de brilhar por aproximadamente 90 dias consecutivos em certas faixas do espectro eletromagnético. Com o Alma, Zulema mediu as emissões de rádio do sistema binário de estrelas em quatro comprimentos de onda: 3 mm, 1,3 mm, 1 mm e 454 micrômetros. Alguns desses comprimentos de onda nunca haviam sido usados para observar a estrela. “Há poucos dados sobre o ciclo da Eta Carinae nas frequências de rádio”, afirma a pesquisadora, que tenta identificar o local exato do sistema binário onde esse tipo de emissão se origina. Em janeiro e fevereiro deste ano, Zulema recebeu 15 gigabytes de informação produzidos pelo observatório nos Andes chilenos, algo como três DVDs cheios de informação. A resolução angular dos dados é impressionante, de 0,4 segundo de arco. No radiotelescópio de Itapetinga, em Atibaia, a 60 quilômetros da capital paulista, Zulema consegue observar a Eta Carinae com uma resolução máxima de 2 minutos de arco, centenas de vezes pior do que a do Alma.
A astrofísica Thaisa Storchi-Bergmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também obteve tempo de observação no Alma, em trabalho conjunto com Neil Nagar, da Universidade de Concepción, Chile. O projeto, cujas observações ainda não foram feitas, consiste no mapeamento da distribuição e da cinemática de gás molecular numa região de 100 parsecs, distância equivalente a 326 anos-luz, em torno do núcleo de galáxias ativas onde um buraco negro supermassivo devora matéria ao seu redor. Trabalhos feitos por Thaisa em comprimentos de onda da luz óptica e do infravermelho mostraram a presença de estruturas espirais nessa região, que parecem ser canais para alimentar o buraco negro supermassivo. “Como onde há poeira, há gás molecular, estamos atrás da emissão de gás molecular frio, que emite nas bandas espectrais cobertas pelo Alma, para verificar se ele está de fato se movendo em direção ao núcleo”, afirma a pesquisadora gaúcha.
Além de pleitear o uso do Alma, um grupo de astrofísicos brasileiros está negociando a instalação de uma antena de 12 metros de comprimento, igual às maiores compradas pelo observatório recém-inaugurado, numa localidade dos Andes argentinos. Denominado Long Latin American Millimeter Array (Llama), o projeto prevê a construção de um pequeno observatório em San Antonio de Los Cobres, cidade localizada a 200 quilômetros de distância do platô Chajnantor. A iniciativa seria uma parceria de brasileiros e argentinos. “Nós compraríamos a antena, que custa € 6 milhões, e eles construiriam e operariam o observatório”, diz Jacques Lépine, astrofísico do IAG-USP e coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Radioastronomia(Nara), principal articulador do Llama. Se sair do papel, a antena do projeto binacional poderá trabalhar de forma independente ou integrada ao observatório em San Pedro de Atacama. “Com o Llama, poderíamos melhorar até 10 vezes a resolução angular do Alma”, diz Lépine.
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