domingo, 28 de abril de 2013

Yo no creo en las brujas, pero...


Quando Newton publicou sua teoria da gravitação universal em 1686, sabia que ia ter problemas com alguns críticos. Afinal, sua teoria descrevia a atração gravitacional de uma massa sobre outra como uma força que, misteriosamente, agia sobre o espaço vazio, meio que fantasmagoricamente.
Como é que a influência do Sol sobre a Terra, da Terra sobre o Sol, deste jornal sobre sua cabeça ou da sua cabeça sobre o jornal atua sem que haja um contato direto?
Esse é o problema da "ação à distância", que ficou sem explicação na teoria do Newton. Aparentemente, tudo se passava instantaneamente: se o Sol deixasse de existir, sentiríamos isso imediatamente -e "cataclismicamente".
Muito esperto, Newton incluiu na conclusão de sua obra uma espécie de ação preventiva contra críticos, argumentando que sua teoria explicava tanta coisa que não precisava explicar a origem da gravidade ou como esta se propagava pelo espaço: "Não farei qualquer hipótese a respeito". Já bastava assim.
Apenas em 1915, Einstein mudou esse quadro com sua teoria da relatividade geral. A ação da gravidade poderia ser ligada à curvatura do espaço em torno de corpos com massa: planetas têm órbitas elípticas em torno do Sol porque o espaço à sua volta é deformado como uma espécie de cone, e a elipse é a curva mais curta nessa geometria.
A teoria de Einstein substituiu a misteriosa ação à distância de Newton por um efeito local, produto da ação da massa sobre o espaço à sua volta. Se o Sol desaparecesse de repente, não sentiríamos isso instantaneamente: levaria pouco mais de oito minutos, o tempo que demora para a gravidade se propagar do Sol até aqui, na velocidade da luz.
Quando Einstein achou que havia exorcizado o fantasma da ação à distância, eis que ele retorna triunfalmente à física quântica.
Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.
Era claro que o elétron não podia ser visto como uma mera partícula; já se sabia da "dualidade partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como partículas quanto espalhados como ondas.
Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão. Logo ficou claro que essa onda não era de matéria mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda entrava em colapso instantaneamente em um ponto -onde estava o elétron. A ação à distância retorna!
O efeito piora quando temos um par de elétrons girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro inverte a sua também de modo que ambos mantenham seu giro oposto.
O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.
Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em aberto. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay."
Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

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